O projeto MAPA 454foi idealizado com base na hipótese da
fotografia produzir micro histórias que possam
proporcionar leituras sobre fenómenos globais, nomeadamente uma
leitura crítica acerca da ideia da paisagem
contemporânea.
A premissa inicial foi a de que
dentro dos limites do mapa topográfico nr 454 dos Serviços
Cartográficos do Exército, seria possível identificar locais com
características geográficas próprias e que tivessem em comum a
possibilidade de uma reflexão e de um olhar sobre os fenómenos da
ocupação do espaço, da expansão urbana e das consequências daí
resultantes na paisagem.
O referido mapa encontra-se limitado a Norte
pela autoestrada A2, a Oeste pela povoação da Quinta do Conde e
outas localidades limítrofes , a Este pela área compreendida entre
Palmela e Setúbal e a Sul pela Serra da
Arrábida.
A partir desta ideia
inicial, o MAPA 454 , foram até agora produzidos 3 trabalhos :
“AUGI 12” (2012) que se debruça sobre um dos loteamentos
clandestinos existentes na zona , “Várzea” (2012/2013) uma
reflexão que pretende realçar as relações entre o mundo rural e
urbano na Várzea de Setúbal l e ” Nas Hortas” (2013/2014) , que
trata o fenómeno das hortas suburbanas e as suas consequências
na paisagem.
Clique nas imagens abaixo para
conseguir visualizar todas as fotos de cada projecto
AUGI 12
Este projeto constitui a primeira
parte de uma série de trabalhos baseados na exploração da
carta topográfica nº 454, limitada a Norte pela A2 e a Sul
pela Serra da Arrábida.
Uma das consequências das
sucessivas vagas de expansão urbanística iniciadas sobretudo
a partir da segunda metade dos anos 60 , foi o
aparecimento de inúmeros empreendimentos clandestinos que
hoje persistem como AUGI - Áreas Urbanas Génese Ilegal,
figura jurídica encontrada pelo Estado Português para
enquadrar sob o ponto de vista legal as referidas áreas.
Este é um trabalho que tem como
pano de fundo um desses povoamentos, a AUGI 12. Um lugar de
ocupação dispersa e onde somos confrontados com uma paisagem
algo desconcertante. Durante um ano fotografei intensamente
esta área, tentando construir uma narrativa que constituísse
antes de mais um percurso pessoal ao longo deste espaço
vagamente habitado.
Dezembro 2012
Várzea
O projeto fotográfico VÁRZEA
surgiu na sequência do trabalho AUGI 12 e constitui
a segunda parte da exploração da carta topográfica nr
454.
A denominada Várzea de Setúbal,
corresponde na realidade a uma faixa de terrenos agrícolas
com inicio no sopé da encosta Sul do morro de Palmela e
se estende até á cidade de Setúbal. A exploração agrícola
que nela se desenvolveu constituiu, até há algumas décadas
atrás juntamente com as atividades piscatórias uma
das fontes de riqueza e prosperidade da zona de Setúbal.
No final dos anos 60 a expansão
urbana desenfreada em parte potenciada pela construção da
ponte sobre o Tejo, o êxodo rural e a industrialização
conduziram a mudanças radicais no paradigma do
desenvolvimento económico e consequentemente na utilização e
ocupação do território.
A expansão da cidade de Setúbal,
fez-se, parcialmente, com a ocupação de terrenos agrícolas
pertencentes à Várzea. Restou uma estreita faixa de
terrenos, que corresponde a uma zona mais alagadiça,
resultante das escorrências provenientes da Serra Arrábida,
onde a construção não é (ainda) viável.
Ao realizar este projeto e depois
de deambular pelo espaço confinado e cercado pelo avanço
urbanístico, concluí que existe algo latente neste lugar.
Não senti estar em presença de um local em decadência mas
apenas de um espaço que aguarda pelas movimentações do tempo
e com elas a sua transformação.
Dez 2013
Nota do autor (Agosto 2015):
Depois da realização deste
projeto e a posterior exposição que esteve patente no
Espaço Confeitaria em Lisboa, entre Dezembro 2013 e
Janeiro 2014, a Várzea de Setúbal foi alvo de profundas
transformações. Algumas das imagens aqui presentes ( e
outras ainda que fazem parte deste projeto mas que não
estão aqui expostas) seriam de todo impossíveis de realizar
hoje. Este facto confere a possibilidade de novas leituras
sobre este trabalho e este espaço. Apesar de persistirem
sinais de alguma ruralidade a Várzea de Setúbal é cada vez
mais um espaço esvaziado da sua função agrícola inicial,
cercada pelo avanço urbanístico e caminhando para uma total
descaracterização.
Nas Hortas
Na sequência dos trabalhos
anteriores, prossigo a exploração do Mapa Topográfico nr
454.
Trata-se do terceiro capítulo
deste projeto e, como o próprio título indica, é uma
incursão no território das hortas suburbanas desta área.
Escolhi aquelas que resultaram de uma ocupação algo
espontânea, que não correspondeu a qualquer planeamento de
nenhum organismo estatal ( ao contrário de alguns
países do Norte da Europa onde a tradição das hortas
comunitárias tem antecedentes no Séc. XIX e onde quase
sempre existiu intervenção do Estado na distribuição e
gestão das terras).
“Nas Hortas” é um trabalho onde
procurei investigar os processos de mudança, transformação e
reinvenção do espaço. Ao percorrer este território fui
observando as diferentes formas utilizadas pelas pessoas no
seu relacionamento com a terra, as quais, tendo como
primeiro objetivo uma função sobretudo utilitária,
abrem contudo as portas a outras possibilidades e a
diferentes leituras. É também uma reflexão sobre a
liberdade, na medida em que esses processos transformativos
mencionados nos possibilitam refletir sobre o papel que o
ato criativo, ainda que por vezes não consciente, pode
ter na sociedade atual, cada vez mais “normalizada” e
padronizada.
Agosto 2014
Haverá sempre alguém nas
hortas no Domingo que vem
No presente
projeto procurei refletir sobre a relação entre a urbanidade
e uma certa persistência em manter uma ligação ao cultivo da
terra, explorando as franjas e as transições entre estas
duas realidades.
Neste trabalho percorri durante a
noite alguns dos trilhos existentes por entre as hortas
suburbanas existentes na Avª das Palmeiras, construindo o
meu próprio caminho visual e procurando evidenciar a
dualidade construída por essas duas evidências.
O facto de se tratar de imagens
noturnas introduz um duplo sentido ao trabalho: se por um
lado as luzes da cidade (e das viaturas que passam) reforçam
a presença do fenómeno urbano, por outro lado é essa mesma
iluminação que permite um olhar algo poético sobre estes
vestígios da ruralidade, representadas pelas
hortas suburbanas.
Agosto 2015
Cinema
Este projecto fotográfico agrupa uma série de imagens realizadas no Cinema Victória em Azeitão entre Agosto 2014 e Junho 2015 e foi resultado de um convite com o propósito inicial de documentar um edifício que iria ser alvo de uma ampla remodelação.
O referido edifício foi construído de raiz para ser um cinema na primeira metade dos anos 40 do sec. XX, tendo continuado nessa função até á década de 80. Depois disso, foi uma clínica médica e um escritório de advocacia, tendo ficado devoluto posteriormente durante um largo período de tempo
Neste trabalho procurei dar uma resposta á dúvida de como se fotografa um espaço anónimo, com poucas referências e onde os vestígios do passado são escassos ou inexistentes.
“Cinema” é sobretudo um trabalho de procura constante, de insistência no acto de ver através da revisitação quase obsessiva, de uma deambulação sincopada, rítmica, como uma respiração, que nos leva através de um percurso labiríntico de portas e corredores e mais portas e escadas, num loop sem fim.
SINK
Partindo do conceito de imaginação da matéria proposto por Gaston Bachelard na obra que este dedica aos quatro elementos, na instalação "Sink" é desenvolvida uma narrativa poética contextualizada por imagens intimistas que nos transportam no percurso cíclico e eterno da água, no seu trajecto entre superfície e profundidade.
Este percurso acentua a condição de "viagem" constante e a sua íntima relação com o humano: desde o "sumidouro", ponto geográfico onde todas as águas convergem e se acumulam para "desaparecerem" num interior, onde o receptor da obra é convidado a partilhar e experienciar essa viagem, até se deter num "tempo" semelhante a um final, a uma conclusão, que é afinal principio e reinício.
Nesta instalação, filme e fotografias são apresentadas como um "pormenor" da intervenção humana, da sua dependência, da sua sobrevivência como parte deste ciclo eterno ; duas imagens que mostram construções de aparência simples, desordenada, improvisada, "aparelhos" de recolha de água que imitam, na sua frágil engenharia o percurso natural da água, aparelhos de rega e distribuição construídos com materiais pobres que são aqui analisados e “elevados” numa memória descritiva em desenho técnico, proporcionando assim uma leitura pormenorizada dos mesmos, num discurso “científico” da pura invenção humana, improvisada, A sua leitura, no entanto, só "acontecerá" num acto profundamente poético da imitação da natureza.
Fernando Brito, 2016
Instalação:
2 projecções vídeo HD na vertical Dimensões : 2 x 150x90 cm Duração Total 08’46’’ (*)
Quatro desenhos técnicos em papel fotográfico dimensões: 90x120 cm impressão em jacto de tinta sobre papel alfa celulose (autoria dos desenhos Arqª Sofia Pinto Textos e memorias descritivas Engª Ivan Garcia)
Duas fotografias em papel fotográfico dimensões:80x64 cm Impressão jacto de tinta sobre papel algodão
(*) Devido á impossibilidade técnica de sincronizar os 2 vídeos tal como foram projectados em sala, no website apresento um vídeo único com a totalidade da projecção.